Nesta semana, 30 de maio, o Conselho
de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou 170 (cento e
setenta) recomendações do relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho sobre o
Exame Periódico Universal do Brasil. Das recomendações feitas a que ganhou
maior espaço na mídia foi a que pediu o fim da polícia militar, proposta feita
pelo país da Dinamarca. Esta recomendação foi feita com o objetivo de diminuir
as execuções extrajudiciais, ou seja, acabar com as mortes provocadas por
agentes do Estado sem que o “réu” tenha o direito de se defender.
A polícia (ainda não denominada
de polícia militar) foi criada no Brasil no dia 10 de maio de 1808 com a
denominação de “Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil” e
seu modelo operacional tinha como base o modelo francês implementado em
Portugal em 1760. Vale ressaltar que o Brasil, nessa época, fazia parte de
Portugal. Os objetivos da polícia eram, além de garantir ordem pública (capturar
escravos foragidos e prender negros alforriados que ameaçavam a “ordem”), garantir
o abastecimento das cidades e realizar obras públicas (a iluminação pública era
de responsabilidade da polícia). O intendente geral da polícia (hoje, equivalente
ao comandante geral) era considerado ministro de Estado, representava a
autoridade absolutista do imperador e tinha poderes executivos, legislativos e
judiciários, ou seja, além de prender, ele criava leis penais (hoje,
competência exclusiva do Congresso Nacional – deputados federais e senadores) e
julgava, como se fosse os juízes, desembargadores e ministros de tribunais de
justiça nos dias atuais.
Em maio de 1809, subordinada a
Intendência da Polícia, foi criada a “Guarda Real da Polícia” que tinha como
objetivo prender os criminosos e manter a ordem. Organizada militarmente, a
Guarda Real teve como seu primeiro comandante o coronel português José Maria
Rabelo, que veio para o Brasil junto com a família Real em 1808. Com um efetivo
previsto para 218 homens, entre oficiais e soldados, a Guarda Real tinha
dificuldade em completar seus quadros, contando com apenas 75 homens em 1819, dez
anos depois da sua criação. Quando havia situações de emergência, a Guarda Real
convocava as tropas do Exército para ajudá-la nas atividades policiais. Os
soldados e oficiais da Guarda Real eram oriundos do Exército e também faziam
jus, além de uniformes, a comida e alojamento nos quartéis.
Em 1863, o Ministro e Secretário
dos Negócios da Guerra, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, em seu relatório
anual para a Assembleia Geral Legislativa, escreve: “Nenhuma questão militar tem sido
entre nós tão amplamente discutida, como a que diz respeito aos meios para
completar o quadro da força annualmente decretada para manter a segurança
pública”. Passado mais de meio século da criação da polícia, seu
efetivo ainda era formado por militares oriundos do Exército. Disso se
interpretar que os agentes que atuavam na segurança pública eram preparados,
exclusivamente, para atuar na guerra.
Nas décadas de 1970, 1980 e 1990,
mais de um século e meio após a criação da polícia, o Exército não tinha mais a
responsabilidade de completar o efetivo policial, entretanto havia governadores
de estado brasileiro que entendiam como oportuno e estratégico, além de diminuir
o tempo e reduzir os custos, priorizar a incorporação nos seus quadros de policial
militar pessoas que tinham sido treinadas militarmente pelas Forças Armadas. Nessas
épocas, também foram criadas as companhias e batalhões especiais (ROTA, BOPE,
Choque, etc.) que tem como logomarcas símbolos de destruição, ideologia e
gritos de guerra que incentivam a morte do inimigo sem a menor piedade. Este sucinto
passeio pela história é mister para que se tenha uma maior compreensão do que
ocorre nos dias de hoje na questão da segurança pública.
Existe no Brasil uma grande dificuldade
(talvez intencional) de diferenciar as missões das Forças Armadas das funções dos
Órgãos Policiais, principalmente em relação à polícia militar. Os
militares das Forças Armadas são treinados para empregar a força máxima no seu
gradiente, tem a truculência como atributo inerente à sua profissão e a
personalidade desenvolvida e cultuada nos seus treinamentos é de agressividade
e eliminação total do seu inimigo, pois estes fatores que justificam a sua
existência e garante o poder de dissuasão em defesa à Nação brasileira. Já os policiais militares existem para
ter a iniciativa e decidirem de acordo com os anseios dos cidadãos revelados
através da interação constante com a sociedade, empregando a força somente se
necessária e de forma comedida para garantir a paz e a harmonia social,
segurança pública.
A política de combate desenvolvida
pelas polícias militares no Brasil produz mais mortes (inclusive de policiais),
mais feridos, tem um alto custo social e não tem reflexos positivos na
diminuição da violência. Em 2010, somente a Polícia Militar de São Paulo (495
pessoas) e a do Rio de Janeiro (848 pessoas), somando, mataram 1343 pessoas em
supostos confrontos. Fora os casos de morte de pessoas que os familiares ou
amigos acusam os policiais militares e não foram instaurados procedimentos
investigatórios para elucidar os fatos.
Desde sua criação, a formação dos
policiais militares era semelhante aos das Forças Armadas ou os policiais eram militares
do Exército que passavam a fazer parte dos quadros da polícia militar sem
nenhuma adaptação para a atividade policial, como se fosse à mesma coisa.
Séculos passaram e a ideologia e gritos de guerra das polícias militares são
iguais aos das Forças Armadas, entretanto no Estado Democrático de Direito não são
admissíveis execuções extrajudiciais (contrariando o princípio constitucional
do Devido Processo Legal) e o tratamento proporcionado aos cidadãos não pode
ser semelhante aos que são dados aos inimigos de guerra. Infelizmente, as
autoridades brasileiras permaneceram inertes a esta situação ou resistentes à
adoção de matérias versando sobre Direitos Humanos na formação do policial
militar e agora foram “surpreendidas” pelas recomendações da ONU e são obrigadas
a fazerem a seguinte reflexão: será o fim da polícia militar?