Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou a apreciação sobre a extensão da “Lei de Anistia” para os crimes de tortura cometidos durante os governos militares (1964-1985). Serão ou não anistiados as pessoas que torturaram? Paralelo a apreciação do STF, as indenizações pagas pelo Governo Federal às vítimas do regime militar já chegam a quantia de R$ 10.000.000.000,00 (dez bilhões de reais). Dos indenizados com o dinheiro público, 90% são brancos e de classe média alta (leia-se ricos). Não vou entrar no mérito da questão se são ou não justos os valores indenizados, muito menos valorar os requisitos colocados para que as pessoas façam jus à reparação financeira. Entretanto vou fazer uma indagação: e os negros que foram torturados da forma mais bruta já vista pela humanidade – escravidão – sem chances de se organizarem, de se armarem ou de se exilarem em Paris, por que seus descendentes não fazem jus à reparação ou indenizações milionárias?
Na Bahia – o estado com a maior população negra fora da África – nunca teve um governador negro (2014 espero escrever: “NÓS PODEMOS!”), nem senador. O Presidente do Olodum (João Jorge) contando com o apoio explícito de, além de outros notórios, Vovô do Ilê e Carlinhos Brown, duas “entidades” baianas reconhecidas internacionalmente pelos serviços prestados para o desenvolvimento dos negros, não conseguem legenda para que João Jorge seja candidato a senador no partido que aposta no desenvolvimento sustentável e na diversidade. Querem Marina Silva na presidência, mas não querem João Jorge no senado? Como explicar esta contradição? Ou “eles” acham que os milhares de jovens que consolidaram sua cidadania nas oficinas de arte, música, dança, teatro e escola do Olodum não contam por que são negros? João Jorge, além de ser um empreendedor e personalidade de sucesso reconhecido mundialmente, é mestre e está concluindo seu doutoramento em Direito pela Universidade de Brasília. Será que o “Partido” está julgando ele como julgaram o personagem retratado por Lima Barreto no livro “Recordações do Escrivão Isaias Caminha”, há mais de cem anos atrás? Tem bom caráter, capacidade intelectual, competência comprovada, estudioso, mas não serve porque é negro?
Voltando a questão da anistia e indenizações milionárias, o General – chefe do Departamento-Geral do Pessoal do Exército – que criticou a “Comissão da Verdade” dizendo que era uma comissão de calúnia e revanchista, foi exonerado imediatamente após a crítica! Porém alguns militares aproveitando do cargo publicaram pela editora do Exército (BIBLIEX) um livro negando o racismo no Brasil, com dinheiro da União e afrontando diretamente políticas públicas de afirmação adotadas pelo Governo Federal. Ninguém foi exonerado, ressarciu o erário ou houve qualquer atitude para amenizar o retrocesso financiado com dinheiro público. Até quando a questão racial e os negros serão tratados com invisibilidade e desprezo? Quem ganha com a falta de diversidade e ausência de políticas públicas que promovam a igualdade? Todos perdem!
Quando lembro que a imprensa carioca infernizou o governo de Benedita da Silva, chamando-a de irresponsável e incompetente, por causa do desabamento ocorrido na região serrana que matou duas pessoas no primeiro mês do seu governo, e que essa mesma imprensa nada comentou em relação à responsabilidade ou competência do Governador, que está a três anos e quatro meses no cargo, por ocasião da morte de centenas de cariocas soterrados, penso: será que este tratamento dispensado a Benedita é resultado dela ser negra? Quando lembro que a ministra Matildes Ribeiro deixou o cargo pressionada por ter cometido um engano no uso do cartão corporativo, diante de casos de desvio de dinheiro público que são descobertos diariamente e acabam em “pizza”, me questiono: será que ela teve este fim pelo fato de ter desenvolvido um bom trabalho em prol da promoção da igualdade racial? Por fim, quando vejo ricos recebendo indenizações milionárias por terem sofridos ou serem descendentes de quem sofreu “torturas” e vejo descendentes de escravos lutando para ter acesso as universidades públicas (cotas) ou para permanecerem nos seus quilombos, reflito sobre reparação: por que vejo chifres na cabeça de cavalo?