"Quando fui abordado, falei que era oficial do Exército, os policiais não deram bola, me algemaram que não sei como não quebraram meus pulsos (neste momento ele me mostra os hematomas nos pulsos e eu já havia observado o olho roxo, também consequência da violência policial) e me colocaram dentro de um vectra. Pensei que estava sendo sequestrado, depois eles me tiraram do carro e me colocaram contra a parede, na frente de uma multidão enfurecida que queria me linchar, quando apareceu um homem que começou a gritar comigo e dizendo "é este" me perguntava pelas armas. Neste momento, pensei que iam me matar espancado, horrível, não tem palavras para traduzir minha aflição. Depois fui levado para a delegacia e fui agredido pelos policiais e por aquele louco que queria saber onde estavam as armas. Fiquei sabendo depois que ele era um JUIZ (magistrado) e tinha sido assaltado, mas ele insistia em dizer que foi eu que o assaltei." Essa foram as palavras do Oficial para comigo!
Na manhã do dia 19 de agosto, estava me arrumando para ir trabalhar quando escutei a chamada do telejornal de que um oficial e médico perito do Exército havia assaltado um juiz em Porto Alegre. Fui assistir a matéria e para minha grande surpresa e estarrecimento o "assaltante" era meu amigo e companheiro de quartel. Na hora do almoço, não fiz outra coisa a não ser assistir a televisão para ter mais notícias sobre o fato. Assistir um telejornal que deu um destaque especial ao episódio. Na reportagem, o rosto do meu amigo ficou congelada na tela enquanto o apresentador julgava, condenava e previa a execução da pena. Chegou ao absurdo de afirmar ele ia ser castigado fisicamente de forma merecida! Já os dados do Juiz, ele preservou em nome do "bom jornalismo"! Em momento algum, dessa execração pública, o "responsável" apresentador pensou na hipótese que o suspeito poderia ser inocente e as consequências de tamanha injustiça! Com conhecimento de causa, eu afirmo: não há dinheiro no mundo que repare uma injustiça dessa. Preso, torturado e humilhado frente as câmeras sensacionalistas e inconsequentes de uma emissora que, até então, gozava do meu maior respeito e consideração! Que cena!
Amigos e advogados intercederam por ele e foi constatado, no dia seguinte, que na hora em que o juiz foi assaltado, com direito a tiroteio e tudo, meu amigo estava falando ao celular e as câmeras de filmagem do seu prédio e da vizinhança mostraram que ele só saiu de casa depois do horário do fato. Por uma sorte do destino, ele não está preso até hoje! Ou seja, ele tinha como provar que não estava no local do crime, portanto, não poderia ser o “assaltante” apontado pelo Juiz! E se ele não tivesse a sorte de receber um telefonema na hora do assalto? E se, diferente de um bairro nobre, ele morasse em um bairro periférico que não tem câmeras de filmagens? Vale ressaltar que ele não tem as características de "bandido símbolo": jovem, negro e pobre!
Aí me vem a cabeça vários questionamentos: Quantos presos inocentes temos no Brasil? Sem contar os inocentes que são assassinados nos famigerados "autos de resistência"! O por quê da truculência e falta de conduta ética no comportamento dos policias? Mesmo apontado pelo Juiz, se meu amigo não mostrou resistência, havia mesmo a necessidade de espancá-lo e algemá-lo? E o que dizer dessa imprensa que instigou a violência e o condenou bem antes de saber do outro lado da história? Todos tem garantido a plena defesa, é um direito assistido por Lei. E onde foi parar a Lei nessa hora? E o Juiz, que o apontou como criminoso? Será que estava em condições de fazê-lo naquele momento e de maneira não condizente com sua função?
Qualquer inovação social em prol do desenvolvimento humano, naturalmente, enfrentará o sistema penal e as desigualdades sociais. A história nos ensina que os avanços da dignidade humana sempre ocorreram em luta contra a exclusão e o poder punitivo. Programas de televisão sensacionalistas que não respeitam a Constituição do País e apresentadores que cometem crime de calúnia (geralmente eles tem como público alvo as pessoas das camadas mais baixas) e incitam a violência de forma irresponsável, e quando são questionados saem alarmando que querem cercear o seu trabalho e invocam a liberdade de imprensa devem ser punidos de acordo a Lei e, a depender da gravidade, banidos dos meios de comunicação.
Só para constar, muitos desses programas sensacionalistas possuem salas cativas nas delegacias para entrevistar o suspeito e condená-lo perante a opinião pública, numa verdadeira afronta aos princípios constitucionais do Devido Processo Legal, Intimidade e Presunção da Inocência. E o mais estarrecedor, eles só fazem isso porque tem apoio dos delegados e policiais de serviço que infringem a lei de abuso de autoridade(4898/65) ao colocar as pessoas sobre a sua guarda ou custódia em situação vexatória ou constrangimento não autorizado por lei. Os que renegam os seus deveres legais "jogam leis e princípios no vácuo da ignorância" e fazem falir a honra e o direito!
Precisamos, urgentemente, de algum mecanismo que seja eficiente na cobrança para que a mídia cumpra a lei. Quanto ao poder punitivo, enquanto houver o clientelismo (uso da força pública em proveito privado), corrupção e morosidade no Judiciário, omissão de alguns promotores de Justiça, que para atingir a Meta 2 do Conselho Nacional do Ministério Público estão pedindo arquivamento de inquéritos sem nem ao menos examiná-los, a impunidade nas arbitrariedades da polícia e, principalmente, juízes fazendo justiça com as próprias mãos, o termo "Estado Democrático de Direito" será um pseudônimo quando se referir ao Brasil. A sociedade brasileira tem que se mobilizar contra todo o tipo de corrupção e desrespeito aos diplomas legais e os Direitos Humanos. Basta!
Por acreditar que deste Mundo só levamos três coisas: "O Caráter, A Lembrança e A Honra", peço ao nobre amigo que tenha força, pois sua experiência há de servir para ajudar aqueles “muitos” que ainda sofrem nas mãos desse “poder” doente e irracional que debocha do ser humano e renega os seus direitos! Meu Amigo, tenha certeza, marcharei com você ombro a ombro, somando esforços nessa luta que não é só sua, pois temos que tirar a venda que cega a Justiça, garantir o direito pleno e zelar pela honra e dignidade de todas e todos!
Por fim, quando relembro as atrocidades vividas por meu amigo, mesmo fazendo parte de uma classe social privilegiada, sinto-me obrigado a questionar: se ele passou por essa situação sendo médico e oficial do Exército, imagine quem não é?
Por fim, quando relembro as atrocidades vividas por meu amigo, mesmo fazendo parte de uma classe social privilegiada, sinto-me obrigado a questionar: se ele passou por essa situação sendo médico e oficial do Exército, imagine quem não é?