Segundo August Vollmer, “O cidadão espera do policial
que ele tenha sabedoria de Salomão, a coragem de Davi, a força de Sansão, a
paciência de Jó e a autoridade de Moises, a bondade de um bom samaritano, o
saber estratégico de Alexandre, a fé de Daniel, a diplomacia de Licon e a tolerância
do carpinteiro de Nazaré e, enfim, um conhecimento profundo das ciências
naturais, biológicas e sociais. Se ele tivesse tudo isso pode ser que seja um
bom policial”. E quando a sociedade
brasileira vai passar a tratar o policial militar como um cidadão?
O
conceito de cidadania sugerido por Thomas Marshall, adotado pelos países desenvolvidos
economicamente, está apoiada em um tripé de direitos, que são classificados e
sequenciados em: civis, políticos e sociais. José Murilo Carvalho afirma que no Brasil
essa sequência não ocorreu e que também estes direitos não foram estendidos a
todos os brasileiros. Para uma melhor compreensão do que é cidadania e o porquê
afirmo que os policiais militares não são tratados como cidadãos, é mister
caminhar um pouco pela história.
A polícia
(ainda não denominada de polícia militar) foi criada no Brasil no dia 10 de
maio de 1808 com a denominação de “Intendência Geral da Polícia da Corte e do
Estado do Brasil”. Em maio de 1809, subordinada a Intendência da Polícia, foi
criada a “Guarda Real da Polícia” que tinha como objetivo prender os criminosos
e manter a ordem. Organizada militarmente, a Guarda Real teve como seu primeiro
comandante o coronel português José Maria Rabelo, que veio para o Brasil junto
com a família Real em 1808. Com um efetivo previsto para 218 homens, entre
oficiais e soldados, a Guarda Real tinha dificuldade em completar seus quadros,
contando com apenas 75 homens em 1819, dez anos depois da sua criação. Quando
havia situações de emergência, a Guarda Real convocava as tropas do Exército
para ajudá-la nas atividades policiais. Os soldados e oficiais da Guarda Real
eram oriundos do Exército e também faziam jus, além de uniformes, a comida e
alojamento nos quartéis. Ou seja, como nos dias atuais, as pessoas acreditam,
equivocadamente, que o Exército pode desenvolver as atividades dos policiais
militares e que a Polícia Militar pode ser reserva do Exército. Ideologicamente,
as imposições legais feitas aos militares do Exército refletem nos policiais
militares.
Os policiais
militares não podem se manifestar publicamente. Por que isso? Porque em 1886, época
da Monarquia, houve um constrangimento entre alguns oficiais do Exército e
alguns gabinetes do Segundo Reinado depois que o coronel Ernesto da Cunha Matos
e o tenente-coronel Sena Madureira foram punidos por criticar referências
feitas na Câmara e no Senado sobre questões militares. Muitos historiadores
atribuem este episódio, que ficou conhecido como “Questão Militar”, como essencial
para a queda da Monarquia no Brasil. Até hoje, os militares pagam um preço alto,
quando ousam mostrar a “nudez do rei”; por isso, mantêm-se calados diante de atos,
inclusive os atentatórios aos Direitos Fundamentais, dos seus superiores.
Atualmente,
os policias militares vem se mobilizando em prol da aprovação da “PEC 300”
(aumento salarial) pelo Congresso Nacional, pois eles acreditam que o aumento
dos salários amenizaria a situação degradante em que se encontram. Para
refletir sobre essa reivindicação, trago à baila os ensinamentos de Karl Marx e
Georg Simmel. Marx afirmava que o capitalismo era contraditório na sua essência,
pois ao mesmo tempo aumentava de forma exponencial a riqueza humana, explorava
a grande maioria das pessoas através do trabalho humano. Este se transformava
em uma mercadoria e desprezava os direitos essenciais dos trabalhadores que, individualmente,
nada podia fazer para acabar com a exploração. Simmel ensinava que não é o
capitalismo que determina as relações sociais na sociedade moderna, mas sim o
dinheiro, pois a desproporcionalidade no aumento dos preços leva a que
determinadas profissões sejam beneficiadas e outras prejudicadas.
Para acabar
com a supremacia dos patrões diante dos trabalhadores, pois o trabalhador
independente não tem defesa diante do patrão capitalista, surgiram, na Europa
no século XVIII, organizações de trabalhadores clandestinas (sindicato), que passaram
a utilizar, como sua principal arma, a greve. Esta foi criminalizada por muitos
anos, mesmo depois de ser reconhecida na Constituição brasileira de 1946. Ficou
a cargos dos policias militares a repressão aos movimentos grevistas, mesmo
contra a vontade de alguns chefes de polícia.
Em 1903,
Cardoso de Castro, chefe de Polícia, apresenta um relatório ao ministro da
Justiça e dos Negócios Interiores, J. J. Seabra. Castro faz um relato das
últimas greves ocorridas no Rio e declara que não vê nelas nada que possa
causar inquietação ao sossego público e que a Polícia não deve se meter nesta
questão, mas sim os parlamentares através de estudos sobre as condições sociais
dos trabalhadores. A polícia militar segue reprimindo as greves e prendendo os
trabalhadores. Em 1928, Washington Luis, presidente da República, manifesta a
seguinte frase: “a questão social é uma questão de pata de cavalo”, fazendo
alusão aos cavalos que os policiais militares montavam para reprimir as
reivindicações.
No dia 04 de
março de 1952, o consultor geral da República, Carlos Medeiros Silva, emite um
parecer sobre os médicos, servidores públicos, que estariam articulando uma
greve. No final do parecer ele chega a seguinte conclusão: “o governo
pode aplicar não só as sanções disciplinares, como penais, aos servidores
públicos de todas as categorias, que, por qualquer forma, participarem de greve”.
No decorrer do parecer, ele cita o Supremo Tribunal Federal, que julgou o
recurso de habeas corpus nº 30.498,
de São Paulo, de 22 de setembro de 1948, e validou por unanimidade, após a
vigência da Constituição de 1946, o art. 201 do Código Penal, esta lei,
literalmente ordinária, ainda é vigente no Brasil em 2012. A Constituição da
República de 1946, no seu art. 158 aduz: “É reconhecido o direito de greve,
cujo exercício a lei regulará”. A Constituição anterior (Ditatorial), 1937, no
seu art. 39 reza: “A greve e o lock-out são
declarados recursos anti sociais, nocivos ao trabalho e ao capital e
incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”.
Na
Constituição atual, 1988, a associação sindical e a greve fazem parte do
Capítulo II (Dos Direitos Sociais), que são direitos fundamentais do cidadão. Art. 8º, caput: “É
livre a associação profissional ou sindical”. Art. 9º, caput: “É
assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a
oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele
defender”. Entretanto, o art 42 da Constituição, fazendo remissão ao §3º
do art 142, proibe que os policiais militares sejam sindicalizados e façam
greves. Qual é a finalidade destas proibições? Por que eles portam armas? Os
guardas municipais, agentes penitenciários, policiais civis e policiais
federais portam armas, são sindicalizados e fazem greves!
Os policiais militares são escalados para fazerem a
segurança de governadores, prefeitos, secretários, juízes, promotores de
justiça, dentre outros, a fim de garantir a manutenção do Estado Democrático de
Direito. E quem faz a segurança dos policiais militares? Só no Estado de São
Paulo, foram assassinados 80 (oitenta) policiais militares nos últimos dez
meses, outubro 2012. Será que as mortes dos policiais militares não
afrontam o Estado Democrático de Direito? Será que a vida de um policial não
tem valor para a sociedade brasileira?
Por que os policiais federais podem fazer greve e os
policiais militares não podem? Os policiais federais prendem os criminosos de
colarinho branco e os políticos corruptos, enquanto os policiais militares
prendem os favelados e os desdentados. Será que quem furta uma margarina no
supermercado ou ouve som alto em espaço público é mais nocivo à sociedade
brasileira do que quem rouba dinheiro do posto de saúde e da merenda
escolar?
A greve e a sindicalização são tão eficazes nas
negociações salariais que, no Brasil, há greves de juízes federais e sindicatos
de empresários e de patronais. Entretanto a nossa
Constituição cidadã (apelido dado por Ulisses Guimarães), impôs as pessoas que
escolheram a profissão de policial militar a perda da sua cidadania, pois além de terem suas vidas banalizadas, não podem fazer greves e nem serem sindicalizados
(Direitos Sociais), ficando totalmente vulneráveis nos seus Direitos Fundamentais. Por fim, enquanto os policiais militares não forem contemplados
com os Direitos Sociais da sindicalização e da greve, eles vão permanecer
armados, mas totalmente fragilizados! E quem ganha com isso?
Parabéns pelo artigo.
ResponderExcluirparabéns pelo artigo capitão,pelo conhecimento,pela pesquisa,pela visão precisa e objetiva com que faz seus textos(artigos),e principalmente pela forma clara e certeira,gosto bastante das idéias sobre transformação e libertação,através dos estudos e do conhecimento.
ResponderExcluirQuando vc vai começar a falar sobre o EB? é justo o seu artigo mas, acho que como um Cap do EB vc poderia falar um pouco mais sobre o sua caserna!!
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